Microbiota, sabes o que é e onde se encontra no corpo?
Publicado: 17 Maio, 2024 | 9'
O nosso corpo está associado a uma população muito ampla e diversa de microorganismos que vivem nas superfícies corporais e nas cavidades que conectam o nosso organismo com o exterior.
Embora a microbiota intestinal seja a mais amplamente conhecida e tenha sido objeto de numerosos estudos, é importante conhecer que existem outras comunidades bacterianas no nosso corpo e que todas são relevantes para o nosso bem-estar e saúde.
Neste artigo, exploramos o que é a microbiota e quantos tipos existem, juntamente com a bióloga e doutora em nutrição Rita Cava.
O que é a microbiota?
O termo microbiota é definido como uma comunidade de microorganismos que, de forma estável, habitam uma localização específica do nosso organismo. É principalmente formada por bactérias e estima-se que uma pessoa saudável possa abrigar entre 10 e 100 milhões de microorganismos, a maioria dos quais se encontra no intestino.
Essas comunidades microbianas interagem entre si e com a superfície em que se encontram. "Existe uma complexa interrelação que pode ser mutualista ou simbiótica (beneficiam a si mesmos e ao hospedeiro) ou comensal (beneficiam a si mesmos, mas não ao hospedeiro) ou oportunista (prejudicam a saúde do hospedeiro)", explica a bióloga e doutora em nutrição Rita Cava.
Para que serve a microbiota?
"A microbiota é capaz de identificar uma pessoa de forma mais fiel do que as impressões digitais. Na verdade, quando os microorganismos que compõem a microbiota estão em equilíbrio ou homeostase (eubiose), favorece-se a saúde do corpo humano e quando há um desequilíbrio (disbiose), aumenta significativamente a probabilidade de desenvolver doenças gastrointestinais ou imunológicas", adiciona a especialista.
Em geral, cumprem três funções básicas: fornecimento de nutrientes essenciais (por exemplo, aminoácidos, vitaminas), desenvolvimento do sistema imunológico e proteção contra patógenos (antagonismo antimicrobiano).
De que é composta a microbiota humana?
Essa comunidade microbiana inclui bactérias, fungos e vírus. Estima-se que a composição da microbiota associada ao ser humano seja formada por pelo menos 40.000 cepas bacterianas de 1.800 gêneros e a massa estimada da microbiota (1-2 kg em um corpo adulto) é comparável ao peso do cérebro humano adulto (aproximadamente 1,5 kg).
"Essa microbiota é adquirida principalmente durante o nascimento (estando em sintonia com a microbiota materna) e, em seguida, vai se modificando durante o crescimento e a exposição a outros fatores externos", continua explicando a especialista.
Tipos de microbiotas de acordo com a superfície colonizada
A microbiota, dependendo da superfície colonizada ou onde reside, é caracterizada por comunidades microbianas específicas com estruturas e funções especializadas.
Assim, podemos encontrar microorganismos característicos principalmente (por ordem) no trato digestivo, na cavidade oral, na vagina e na pele. Além disso, encontramos outras microbiotas em lugares como o trato respiratório ou a glândula mamária.
Vejamos algumas delas.
A microbiota intestinal e seu impacto na saúde
O trato gastrointestinal possui a maior quantidade e diversidade de microorganismos, contendo pelo menos 1014 bactérias, com aproximadamente 200 espécies.
Elas são principalmente representadas pelos grupos Firmicutes (Clostridium spp., Ruminococcus spp., Peptidococcus spp., etc.) e Bacteroidetes (Bacteroides spp.), contabilizando mais de 70-75% do total. Os grupos mais comuns seguintes são Actinobacteria (Bifidobacterium spp.), Proteobacteria e Verrucomicrobia. As bactérias mais estudadas do trato gastrointestinal são Lactobacillus spp. (Firmicutes) e Escherichia spp. (Pseudomonadota), embora estejam presentes em menor número.
A microbiota intestinal coloniza todo o trato gastrointestinal:
- Esôfago: no esôfago, não há colonização permanente, pois é um conduto onde os alimentos ingeridos arrastam possíveis microorganismos.
- Estômago: estão presentes principalmente os lactobacilos em baixas concentrações, principalmente porque conseguem resistir ao ambiente ácido, embora não se tenha estabelecido se exercem alguma atividade mutualista.
- Intestino delgado: na parte superior desta seção (duodeno), há pouca colonização devido à ação da bile. Já nas seções inferiores (jejuno e íleo), a presença bacteriana vai aumentando, principalmente de lactobacilos.
- Intestino grosso: é a seção do tubo digestivo onde ocorre uma maior densidade bacteriana (50% da massa fecal é composta por bactérias), embora também possam estar presentes fungos (leveduras). Estima-se que cada indivíduo abrigue mais de 500-1500 espécies que coexistem, criando um ambiente extraordinariamente equilibrado e estável, e, portanto, resistente à indução de alterações externas.
Funções da microbiota intestinal
Os processos metabólicos dessa microbiota ocorrem através da fermentação e em um ambiente livre de oxigênio (anaeróbico).
"A partir do metabolismo desta microbiota intestinal, são produzidas uma grande quantidade de substâncias que não apenas fornecem energia para seu próprio sustento, mas também são utilizadas pelo nosso corpo tanto nos processos energéticos quanto naqueles relacionados à regeneração da barreira intestinal, das células intestinais, do funcionamento dos órgãos e da modulação do sistema imunológico", explica Rita Cava.
A microbiota oral: porta de entrada para o corpo
Os microorganismos da cavidade oral não formam uma comunidade estável, mas sim bastante variável e são representados principalmente por pelo menos 700 espécies, entre bactérias, fungos e outros. Os grupos bacterianos mais representativos são: Actinobacteria (Actinobaculum spp., Atopobium spp., Cryptobacterium spp.), Bacteroidetes (Bergeyella spp., Prevotella spp., Tannerella spp.), Firmicutes (Abiotrophia spp., Anaerococcus spp., Mogibacterium spp.), Proteobacteria (Lautropia spp., Suttonella spp.) e Synergistetes (Jonquetella spp., Pyramidobacter spp.).
A microbiota oral exerce uma importante função de proteção contra a colonização de bactérias externas que podem afetar a nossa saúde. Como explica a doutora Cava: "a microbiota oral varia conforme sua localização e seu deslocamento dentro da boca, e também varia à medida que envelhecemos".
- Localização: podem ser encontrados na saliva (que é o principal agente dispersante dos microorganismos tanto dentro da boca quanto em direção ao tubo digestivo), na língua, nos dentes, no palato e na mucosa que reveste todo o interior da cavidade oral.
- Deslocamento: os microorganismos "preferem" certos locais dentro da boca. Por exemplo, o Streptococcus mutans é encontrado na saliva, na placa dental e na língua, e seus deslocamentos nesses locais estão relacionados a benefícios do tipo simbiótico (benefício mútuo).
- Idade: a microbiota oral varia com as mudanças dentárias da infância até a velhice, assim como com os tratamentos dentários.
- Substituição: a microbiota oral não apenas se modifica ao longo dos anos, mas também no decorrer dos dias, especialmente aquela presente nos dentes. "Por exemplo, pode-se ter que no dia 1 de uma semana há estreptococos, enquanto no dia 7 há presença de bacilos gram-negativos, espiroquetas, etc.", acrescenta Cava.
A microbiota vaginal: equilíbrio e saúde feminina
A microbiota vaginal normal é composta predominantemente por lactobacilos juntamente com outros organismos presentes em menor número (incluindo Staphylococcus epidermidis, Corynebacterium spp, Ureaplasma spp, Streptococcus/Enterococcus spp, Gardnerella vaginalis, Candida spp).
A mucosa vaginal das mulheres em idade reprodutiva contém mais de dez espécies diferentes de Lactobacillus, com predominância de L. crispatus, L. gasseri, L. jensenii e L. iners.
A presença dos lactobacilos vaginais está diretamente relacionada com os níveis hormonais. A atividade metabólica dos lactobacilos na vagina resulta em um pH normal de 3,8-4,4. Além disso, os lactobacilos produzem substâncias antimicrobianas (como as bacteriocinas) e peróxido de hidrogênio (água oxigenada -H2O2-), que inibem a adesão de patógenos.
"A microbiota vaginal é influenciada tanto pelos hormônios quanto pela idade", informa a Dra. Cava. Assim, vemos que na infância ocorre pouca quantidade de microbiota vaginal, que se desenvolve com o crescimento e a presença dos hormônios (estrógenos e progesterona).
Durante a menopausa, devido à redução dos níveis de estrógenos, a microbiota vaginal sofre alterações significativas, especialmente nos lactobacilos, com predominância de bactérias intestinais e da pele. Essas alterações podem resultar em aumento das infecções ginecológicas.
A microbiota da pele
Como mencionado anteriormente, a pele ocupa o quarto lugar entre as partes do corpo humano colonizadas pela microbiota.
O órgão da pele é densamente colonizado por uma microbiota diversificada e altamente ativa, que desempenha funções de proteção devido ao desenvolvimento do chamado manto ácido da pele (ou barreira cutânea).
Na pele saudável de um adulto, podem ser encontrados cerca de 108-1010 microorganismos, distribuídos em diferentes áreas cutâneas. Por exemplo, nas axilas, encontramos uma grande concentração de até 106/cm2, ou nas pontas dos dedos, podem-se concentrar 102/cm2.
As bactérias são o grupo mais abundante, representadas por Actinobacterias (Corynebacterium spp., Propionibacterium spp.), Firmicutes (Staphylococcus spp., Streptococcus spp.) e Proteobacterias (Acinetobacter spp., Methylobacterium spp.). As leveduras (Malassezia spp.) são as espécies mais abundantes entre os fungos, e sobre os vírus, que podemos transmitir principalmente por meio das mãos, pouco se sabe sobre o papel que possam desempenhar na pele.
"A atividade da microbiota na pele estimula o sistema imunológico cutâneo, o que impede o estabelecimento de cepas patogênicas em sua superfície ou que elas possam penetrar em nosso corpo", afirma a especialista.
A microbiota do trato respiratório
Outro local que abriga sua própria microbiota é o trato respiratório. As vias respiratórias de um adulto têm uma superfície de aproximadamente 70 m2, que é 40 vezes maior do que a superfície da pele. Toda essa superfície é colonizada por comunidades bacterianas que variam em cada região do trato respiratório.
As maiores densidades bacterianas são observadas na parte superior do trato respiratório (que compreende o nariz, faringe e laringe), informa a especialista. As bactérias mais comumente encontradas, do trato superior ao inferior, são: Staphylococcus spp., Propionibacterium spp., Moraxella spp., Streptococcus spp., Haemophilus spp., Prevotella spp., Veillonella spp., entre outras. Adenovírus e fungos (Aspergillus spp. ou Candida spp.) também podem estar presentes.
Funções da microbiota respiratória
A microbiota do trato respiratório superior é um primeiro passo para bloquear a possível colonização por cepas patogênicas, evitando assim possíveis infecções respiratórias. Isso é chamado de "resistência à colonização".
Além disso, a microbiota respiratória também pode estar envolvida na manutenção da homeostase (equilíbrio) da função respiratória e imunidade,
A microbiota da glândula mamária
Outra microbiota representativa é a encontrada nas glândulas mamárias.
As glândulas mamárias são estruturas úmidas e mucosas com um sistema complexo de ductos, que durante o final da gravidez e ao longo do período de amamentação se torna um ambiente ideal para o crescimento bacteriano devido à disponibilidade de nutrientes e à temperatura ideal para muitos microorganismos.
Além disso, a estrutura mamária está exposta ao ambiente externo através do mamilo, que contém uma microbiota com características da pele.
Flora bacteriana do leite materno
O leite materno contém entre 105 a 107 bactérias, sendo os gêneros mais comuns Staphylococcus spp., Streptococcus spp., Lactococcus spp., Propionibacterium spp., Lactobacillus spp. e Bifidobacterium spp.
Essa flora microbiana é considerada como “probióticos maternos”, além de o leite materno também conter prebióticos que estimulam seletivamente o crescimento bacteriano e colonizam o intestino do recém-nascido.
Os benefícios do aleitamento materno são fundamentais para a maturação intestinal da criança e conferem efeitos imunomoduladores, bem como efeitos positivos no desenvolvimento intelectual, conclui a especialista Rita Cava.
Outras microbiotas em nosso organismo
Embora neste artigo tenhamos revisado as comunidades microbianas mais proeminentes, é importante ressaltar que em todas as mucosas do nosso corpo existem microorganismos, portanto, também há colonização bacteriana ou de outras espécies, por exemplo, nos olhos, ouvidos ou no trato urinário, órgãos que também apresentam populações microbianas características,
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Conteúdo elaborado pelos especialistas da Área de Informação Científica da MARNYS com a colaboração da Dra. Rita Cava. Este artigo é informativo e não substitui a consulta a um especialista.
Sobre a especialista
Dra. Rita Cava Roda, Bióloga e Doutora em Nutrição e Tecnologia de Alimentos. Professora universitária com mais de 20 anos de experiência em pesquisa e ensino, além de nutricionista e dietista.