
Chaves para aprender a descansar: dicas da especialista Jana Fernández
Publicado: 7 Maio, 2025 | 12'
Dormir bem e levantar-se com energia de manhã pode ser uma utopia para muitos. Mas o segredo para conseguir isso pode residir em adquirir bons hábitos, derrubar mitos e aceitar as nossas limitações para aprender a descansar, de verdade, não apenas dormir.
Assim o explica a especialista em fisiologia do sono e bioética, além de divulgadora em saúde e bem-estar Jana Fernández. Jana é autora dolivro Aprende a descansar, e criadora do podcast sobre bem-estar e descanso ‘El Podcast de Jana Fernández – A Guide to Live Well’, além de co-criadora do podcast ‘No me da la vida’ sobre mulheres e stress. Com a sua ajuda, abordamos neste artigo desde o que significa realmente descansar e os benefícios de um sono reparador, até os conselhos práticos para o conseguir.
Descansar vs dormir
1. Jana, o que significa realmente descansar?
Descansar é um conceito amplo que implica muito mais do que simplesmente dormir.
Refere-se a dar ao corpo e à mente um tempo de recuperação e renovação, também durante o dia. Descansar bem abrange vários aspectos: não só dormir, mas também reduzir a atividade física e mental para recuperar-se do stress e das demandas diárias.
2. Dormir bem significa descansar bem ou não necessariamente?
Dormir bem e descansar bem estão interrelacionados, mas não são a mesma coisa.
Dormir adequadamente é um dos componentes principais do descanso, uma vez que o sono permite ao cérebro e ao corpo realizar processos cruciais como a reparação celular, a consolidação da memória e a regulação hormonal.
No entanto, pode-se ter um sono prolongado e mesmo assim não se sentir bem descansado se a qualidade do sono for deficiente.
3. Existe um descanso ativo e um descanso passivo? O que significam e qual seria mais eficaz?
Efectivamente podemos falar de dois ‘tipos’ de descanso que se complementam entre si: o descanso ativo e o descanso passivo.
- O descanso passivo implica uma redução total da atividade, como dormir, fazer uma pausa sem se mover muito, ou simplesmente relaxar. Este tipo de descanso é crucial para permitir que o corpo e a mente se regenerem a um nível fisiológico profundo, como ocorre durante o sono, onde se leva a cabo a reparação celular e a consolidação da memória.
- O descanso ativo, por outro lado, envolve atividades que, embora não sejam tão intensas como as de um exercício completo, ajudam a liberar tensões e a melhorar o estado físico e mental, como caminhar, fazer alongamentos leves, praticar meditação ou respiração profunda. Também inclui atividades que estimulam o bem-estar emocional, como passar tempo com entes queridos ou desfrutar de um hobby.
Em termos de eficácia, ambos os tipos de descanso têm os seus benefícios e não se excluem mutuamente; o descanso ativo ajuda a reduzir o stress e a melhorar a recuperação psicológica, enquanto o descanso passivo é essencial para a recuperação física profunda.
4. Quais sinais nos dá o corpo quando precisa descansar?
O corpo dá múltiplos sinais de que precisa de descanso, como cansaço extremo ou sonolência durante o dia; mudanças de humor, irritabilidade ou ansiedade; dificuldade para concentrar-se e diminuição na produtividade; dores musculares e rigidez, etc.
5. O que acontece se ignoramos esses sinais?
Ouvir o nosso corpo significa prestar atenção aos sinais de cansaço, dor, tensão, ou mudanças de humor que indicam a necessidade de descanso ou de uma pausa. Ignorar estes sinais pode levar a um desgaste acumulativo, aumentando o risco de doenças físicas e transtornos mentais como o stress crónico, ansiedade ou depressão. A fadiga prolongada também está relacionada com um sistema imunológico debilitado e um maior risco de doenças cardiovasculares.
6. A idade influencia as necessidades de descanso e sono?
Sim, a idade influencia significativamente as necessidades de sono e descanso. Por exemplo, as recomendações de horas de sono e a qualidade do descanso variam ao longo da vida devido às mudanças fisiológicas e às demandas de cada etapa de desenvolvimento.
- Horas de sono recomendadas segundo as faixas etárias:
- Bebés e crianças pequenas (0-5 anos): Necessitam entre 12 e 16 horas de sono diárias devido ao seu rápido desenvolvimento físico e mental.
- Crianças em idade escolar (6-12 anos): Requerem cerca de 9 a 12 horas para apoiar o crescimento e o desenvolvimento cognitivo.
- Adolescentes (13-18 anos): Precisam de 8 a 10 horas. A puberdade e a elevada taxa de crescimento corporal aumentam as suas necessidades de descanso.
- Adultos jovens (18-25 anos): Em média, requerem de 7 a 9 horas.
- Adultos mais velhos (mais de 65 anos): Geralmente, o sono torna-se mais fragmentado, e embora se recomende de 7 a 8 horas, muitos tendem a dormir menos e experimentam despertares frequentes.
Benefícios de um descanso reparador
7. Quais são os benefícios de um descanso reparador?
Podemos agrupar os benefícios de um descanso reparador em três níveis: a nível físico, mental e emocional:
- Benefício físico: um descanso reparador tem efeitos profundos na regeneração celular, o fortalecimento do sistema imunológico e a recuperação muscular. Durante o sono profundo, o corpo liberta a hormona do crescimento, o que favorece a reparação de tecidos e a saúde óssea. Também diminuem os níveis de cortisol (hormona do stress) e se regulam processos metabólicos importantes para a saúde cardiovascular.
- Benefício mental: a nível cognitivo, o sono reparador fortalece a memória e facilita a consolidação de informação. As fases REM do sono são cruciais para a criatividade, a resolução de problemas e a retenção de conhecimentos. Dormir bem também otimiza a capacidade de concentração e reduz o risco de deterioração cognitiva, o que se traduz em melhor desempenho em atividades que exigem agilidade mental. Dormir adequadamente melhora a nossa capacidade para realizar tarefas complexas, a velocidade de reação e a precisão.
- Benefício emocional: a nível emocional, o descanso adequado regula a actividade de áreas cerebrais como a amígdala, que está relacionada com o processamento de emoções. Dormir bem favorece um estado de ânimo estável e reduz a irritabilidade.
8. Qual destes benefícios notamos primeiro?
Os primeiros benefícios que notamos quando descansamos costumam ser os emocionais e mentais. Em questão de dias, um descanso adequado pode melhorar o estado de ânimo, reduzir o stress e aumentar a clareza mental e a capacidade de concentração.
Os benefícios físicos (como a melhoria no sistema imunológico e a recuperação muscular) requerem de um descanso constante ao longo de várias semanas, embora algumas pessoas notem uma redução na dor muscular e na inflamação após algumas noites de sono reparador.
8 estratégias e conselhos práticos para descansar melhor
1. Aplicar o “Método das 7D”
O método das 7D, explicado no meu livro “Aprende a descansar”, inclui os 7 passos que para mim foram fundamentais num momento em que tive um sério problema de saúde precisamente por não dormir.
As 7D correspondem aos conceitos de decisão (tomar a decisão de que dormir e descansar é uma prioridade, e estar consciente de que isso implica renunciar a algumas coisas); disciplina para manter este hábito; dieta e desporto, como pilares essenciais da nossa saúde; dormir e tudo o que tem a ver com a higiene do sono; desconectar, não só dos dispositivos mas também das distintas facetas da nossa vida; desacelerar e viver cada coisa ao seu ritmo sem tentar acelerá-la para ter a sensação de que somos mais produtivos; e desfrutar mais da vida, das pequenas coisas do ordinário.
2. Seguir os ritmos ultradianos e fazer pausas a cada 90 minutos
Os ritmos ultradianos são ciclos biológicos de curta duração que ocorrem várias vezes ao dia, ao contrário dos ritmos circadianos que duram aproximadamente 24 horas. Estes ritmos influenciam a atividade mental e física, alternando fases de maior e menor alerta ou energia. Durante o sono, os ritmos ultradianos marcam as fases de sono profundo e sono REM em ciclos de aproximadamente 90 minutos. Na vigília, estes ciclos influenciam a produtividade e a concentração. Ao seguir estes ritmos e fazer pausas a cada 90 minutos, podemos otimizar a nossa energia e evitar a fadiga.
3. Praticar técnicas de relaxação profunda
As técnicas de relaxação profunda desempenham um papel crucial para reduzir o stress e facilitar o descanso. Estas práticas ajudam a diminuir a atividade do sistema nervoso simpático (que é ativado com o stress) e a ativar o sistema parassimpático (responsável pela relaxação).
4. Praticar técnicas de descanso ativo
O descanso ativo ajuda a reduzir o stress e promove o bem-estar físico e mental sem exigir um esforço físico intenso. Técnicas como o yoga ou alongamentos suaves melhoram a flexibilidade e a circulação, ajudam a libertar tensões e a reduzir a ansiedade, e facilitam a relaxação muscular e a mobilidade sem demandar energia excessiva. Caminhadas na natureza favorecem a calma mental e aumentam os níveis de energia graças à exposição ao ar fresco e à luz solar, que também regula o ritmo circadiano.
5. Criar um oásis de descanso
O ambiente tem um impacto direto na qualidade do descanso e na capacidade de recarregar energia. Um ambiente adequado para o descanso deveria ser tranquilo, com boa ventilação e uma temperatura fresca, já que o corpo precisa de temperaturas ligeiramente mais baixas para um sono profundo.
Pode-se criar um oásis de descanso cuidando de certos aspectos do espaço, como:
- Iluminação suave ou luz natural durante o dia para regular o ritmo circadiano.
- Eliminação de ruídos através de tampões para os ouvidos ou máquinas de ruído branco.
- Aromaterapia: Óleos essenciais como a lavanda ou o eucalipto induzem a relaxação.
- Espaços limpos e organizados: Um ambiente livre de desordem favorece a calma mental.
6. Estabelecer limites saudáveis à tecnologia
A tecnologia afeta negativamente o sono em vários níveis:
- A luz azul das ecrãs inibe a produção de melatonina, o que atrasa o sono.
- O uso de dispositivos eletrônicos antes de dormir mantém a mente alerta, dificultando a relaxação.
- As notificações e o acesso constante a redes sociais podem gerar ansiedade e dificultar o descanso.
Portanto, podemos estabelecer limites saudáveis à tecnologia, aplicando os seguintes conselhos:
- Evitar dispositivos eletrônicos pelo menos 1-2 horas antes de dormir.
- Utilizar filtros de luz azul ou modo noturno nos dispositivos, o que reduz o impacto da luz azul.
- Estabelecer horários específicos para revisar redes sociais e mensagens, evitando o uso 'compulsivo'.
- Incluir atividades relaxantes antes de dormir em vez de usar dispositivos, como ler um livro ou praticar técnicas de relaxação.
No entanto, a tecnologia pode ser uma ferramenta para melhorar o descanso, desde que seja utilizada de forma consciente e moderada. As aplicações e dispositivos de bem-estar podem ajudar a criar rotinas de relaxação e a monitorizar o sono, fomentando um ambiente propício para descansar. Por exemplo:
- Apps de meditação e mindfulness: Aplicações como Headspace ou Calm oferecem meditações guiadas, exercícios de respiração e técnicas de relaxação que podem ser úteis para reduzir o stress e a ansiedade antes de dormir.
- Sonidos relaxantes e ruído branco: Sons da natureza, música relaxante ou ruído branco ajudam a mascarar ruídos externos e criam um ambiente sonoro calmante.
- Apps de monitorização do sono: Algumas aplicações monitorizam os padrões de sono, fornecendo dados sobre as fases do sono, a duração e a qualidade do descanso. Embora seja importante não se obsesionar com os dados, estas apps podem ajudar a identificar factores que afetam o sono e a melhorar a higiene do sono.
7. Incorporar certos alimentos antes de ir dormir e evitar outros
A alimentação tem um impacto significativo na qualidade do sono. Uma dieta equilibrada ajuda a regular o metabolismo e a manter níveis estáveis de energia, o que contribui para um descanso óptimo.
Alguns alimentos e nutrientes podem favorecer a relaxação e a produção de melatonina, uma hormona crucial para o sono:
- Alimentos ricos em triptofano: Este aminoácido é um precursor da serotonina e da melatonina, neurotransmissores que favorecem a relaxação e o sono. Encontra-se em alimentos como o peru, o frango, os ovos, o queijo e as sementes de abóbora.
- Magnésio e cálcio: Estes minerais são conhecidos pelo seu efeito relaxante no sistema nervoso. Alimentos como frutos secos, espinafres e produtos lácteos podem ajudar a melhorar a relaxação muscular e a reduzir o stress.
- Melatonina EXTRAPINEAL: Esta hormona é fundamental para regular o ciclo sono-vigília. É produzida naturalmente no corpo, mas também pode ser encontrada em alguns alimentos (cerejas, uvas, tomates) e em suplementos. Embora os suplementos de melatonina possam ser úteis para tratar problemas específicos de sono (como o desfase horária), é importante utilizá-los sob supervisão médica e só se necessário.
De igual forma, é bem conhecido que devemos evitar certos alimentos e bebidas como a cafeína, o álcool e as refeições pesadas, pois podem prejudicar o sono.
Além disso, existem outros alimentos que devemos evitar nas horas anteriores ao sono e que talvez sejam menos conhecidos, como alimentos ricos em açúcar (os doces e os carboidratos refinados aumentam os níveis de glucose no sangue, o que pode causar um aumento de energia não desejado logo antes de dormir). Evitar estes alimentos pelo menos 2-3 horas antes de deitar-se pode contribuir para um descanso mais profundo e ininterrupto.
8. Ter uma rotina de sono diária e constante
Ter uma rotina diária constante e previsível ajuda a programar o corpo para um descanso de qualidade. No entanto, para que seja uma rotina que possamos cumprir e que seja sustentável ao longo do tempo, deve adaptar-se ao máximo ao nosso estilo de vida, às nossas necessidades e possibilidades, por isso não existe uma única rotina ideal para todos, já que devemos ter em conta factores como o nosso cronotipo ou como o horário de trabalho que temos, entre muitos outros.
Dito isto, há alguns conselhos que podemos ter em conta ao desenhar a rotina ideal para nós e adaptá-los na medida das nossas possibilidades.
Um exemplo de rotina seria:
- Manhã:
- Expor-se à luz natural ao acordar para sincronizar o ritmo circadiano.
- Tomar um pequeno-almoço rico em proteínas para manter a energia estável durante o dia.
- Meio-dia:
- Fazer uma breve pausa de 10-15 minutos de descanso ativo, como caminhar ou fazer alongamentos.
- Tarde:
- Evitar o consumo de cafeína depois das 14h.
- Manter-se ativo fisicamente, já que o exercício favorece um descanso mais profundo, embora seja melhor não fazer exercício intenso nas horas antes de dormir.
- Noite:
- Jantar cedo e leve, pelo menos 2-3 horas antes de se deitar.
- Praticar uma atividade relaxante como ler, meditar ou tomar um banho quente.
- Evitar o uso de dispositivos eletrônicos pelo menos uma hora antes de dormir.
- Apagar as luzes fortes e optar por iluminação suave para preparar o corpo para o descanso.
Conclusões da especialista para um descanso ótimo
- Manter um horário regular de sono: Ir para a cama e acordar à mesma hora todos os dias ajuda a regular o relógio biológico.
- Criar um ambiente adequado para dormir: Verificar se o quarto está a uma temperatura confortável (cerca de 18-20°C), seja escuro e silencioso, e de preferência sem distrações tecnológicas.
- Limitar o uso de ecrãs antes de dormir: A luz azul dos ecrãs inibe a produção de melatonina, o que atrasa o sono. Tente evitar dispositivos pelo menos uma hora antes de se deitar.
- Praticar técnicas de relaxação: Incluir exercícios como a meditação, o mindfulness ou a respiração profunda na sua rotina antes de dormir ajuda a reduzir o stress e preparar a mente para o descanso.
- Cuidar da alimentação: Evitar refeições pesadas e estimulantes antes de dormir e optar por jantares leves que incluam nutrientes como o triptofano ou o magnésio, que favorecem a relaxação.
- Incorporar exercício físico durante o dia, trabalhando não só a capacidade aeróbica mas também o aumento de massa muscular através de exercícios de força.
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Conteúdo elaborado com a colaboração de Jana Fernández. Este artigo é informativo e não substitui a consulta de um especialista.
Sobre a especialista
Jana Fernández é Mãester em Fisiologia do Sono e Bioética, divulgadora e conferencista em saúde e bem-estar. É autora do livro Aprende a descansar e criadora do podcast ‘O Podcast de Jana Fernández – A Guide to Live Well’ onde entrevista a reconhecidos especialistas em sono, nutrição e saúde mental. @janafr